o espelho reflete certo; não erra porque não pensa.
pensar é essencialmente errar.
errar é essencialmente estar cego e surdo.
estas verdades não são perfeitas porque são ditas
e antes de ditas, pensadas:
mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias
na negação oposta de afirmarem qualquer cousa.
a única afirmação é ser.
e só o afirmativo é o que não precisa de mim.
alberto caeiro - no dia brancamente nublado entristeço quase a medo
domingo, 29 de julho de 2012
quinta-feira, 19 de julho de 2012
segunda-feira, 16 de julho de 2012
já faz uma semana que não a vejo, mas a presença dela permanece como se ela estivesse aqui, deitada ao meu lado e tomando para si todo o espaço da cama. tento distrair-me em vão: os minutos ociosos sempre existirão para nos destruir e nos lembrar que, no fundo, não temos total controle sobre nós mesmos.
tiago castro gomes
tiago castro gomes
o Kramer apaixonou-se por uma corista que se chamava Olga. por algum motivo nunca conseguiam encontrar-se. ele gritava passando pela casa de Olga, manhãzinha (ela dormia): Olga, Olga, hoje estou de folga! mas nunca se viam e penso que ele sabia que se efetivamente se deitasse com ela o sonho terminaria. sábio Kramer. nunca mais o vi. há sonhos que devem permanecer nas gavetas, nos cofres, trancados até o nosso fim. e por isso passíveis de serem sonhados a vida inteira.
Hilda Hilst - Estar sendo. Ter sido.
Hilda Hilst - Estar sendo. Ter sido.
terça-feira, 10 de julho de 2012
O sonhador, para o definir pormenorizadamente, não é um homem, é uma espécie de criatura do gênero neutro. Aloja-se, na maior parte do tempo, num inacessível refúgio, como se pretendesse até ocultar-se da luz do dia, e, uma vez encolhido na sua toca, metido na sua casota como o caracol, ou pelo menos parece-se muito, neste aspecto, com esse curioso bichinho que é simultaneamente um animal e uma casa e que se chama tartaruga.
Na sua opinião, por que razão gostará ele tanto das suas quatro paredes, monotonamente pintadas de verde, sujas, tristes e enegrecidas pelo fumo do tabaco? Por que razão esse ridículo sujeito, quando algum dos seus raros conhecimentos o vem visitar (e ele procede de tal modo que, a pouco e pouco, os seus amigos acabam todos por desaparecer), por que razão esse homem acolhe o visitante com tal embaraço com um rosto de tal modo perturbado e tão confuso como se acabasse de cometer um crime, ali, entre as suas quatro paredes, como se fosse apanhado a fabricar notas falsas ou a escrever versinhos para enviar a qualquer revista com uma carta anônima, dizendo que o verdadeiro poeta morreu e que um seu amigo considera como dever sagrado publicar a sua obra? Por que razão, diga-me, Nastenka, a conversa se estabelece com tanta dificuldade entre estes dois interlocutores?
Porque motivo não se soltam gargalhadas e não se troca qualquer palavra espirituosa com este amigo surgido de improviso, o qual em qualquer outra circunstância tanto gosta das gargalhadas e das palavras espirituosas, dos discursos sobre o belo sexo e sobre outros assuntos agradáveis? Por que razão, em suma, este amigo, por certo um conhecimento de fresca data, logo à primeira visita — porque, em casos destes, não haverá uma segunda visita —, por que razão o próprio visitante se sente tão perturbado e frio, com o seu espírito (isto se alguma vez o teve) embotado, ao ver o rosto transtornado do seu anfitrião, o qual, por seu turno, está agora completamente destituído do seu derradeiro grão de sensatez, após ter feito esforços gigantescos, mas vãos, para remover as dificuldades da conversa e para a tomar agradável, mostrando a sua experiência da sociedade, falando também sobre o belo sexo e, pelo menos através desta concessão, tentar ajudar aquele pobre diabo caído por engano em sua casa? Por que razão, ainda, o visitante agarra de repente no chapéu e se retira rapidamente, lembrando-se de súbito de um assunto absolutamente inadiável, que nunca existiu, e liberta de qualquer maneira a mão do caloroso aperto do anfitrião, empenhado agora em manifestar o seu pesar e a ganhar o tempo perdido?
Dostoiévski - Noites Brancas
Na sua opinião, por que razão gostará ele tanto das suas quatro paredes, monotonamente pintadas de verde, sujas, tristes e enegrecidas pelo fumo do tabaco? Por que razão esse ridículo sujeito, quando algum dos seus raros conhecimentos o vem visitar (e ele procede de tal modo que, a pouco e pouco, os seus amigos acabam todos por desaparecer), por que razão esse homem acolhe o visitante com tal embaraço com um rosto de tal modo perturbado e tão confuso como se acabasse de cometer um crime, ali, entre as suas quatro paredes, como se fosse apanhado a fabricar notas falsas ou a escrever versinhos para enviar a qualquer revista com uma carta anônima, dizendo que o verdadeiro poeta morreu e que um seu amigo considera como dever sagrado publicar a sua obra? Por que razão, diga-me, Nastenka, a conversa se estabelece com tanta dificuldade entre estes dois interlocutores?
Porque motivo não se soltam gargalhadas e não se troca qualquer palavra espirituosa com este amigo surgido de improviso, o qual em qualquer outra circunstância tanto gosta das gargalhadas e das palavras espirituosas, dos discursos sobre o belo sexo e sobre outros assuntos agradáveis? Por que razão, em suma, este amigo, por certo um conhecimento de fresca data, logo à primeira visita — porque, em casos destes, não haverá uma segunda visita —, por que razão o próprio visitante se sente tão perturbado e frio, com o seu espírito (isto se alguma vez o teve) embotado, ao ver o rosto transtornado do seu anfitrião, o qual, por seu turno, está agora completamente destituído do seu derradeiro grão de sensatez, após ter feito esforços gigantescos, mas vãos, para remover as dificuldades da conversa e para a tomar agradável, mostrando a sua experiência da sociedade, falando também sobre o belo sexo e, pelo menos através desta concessão, tentar ajudar aquele pobre diabo caído por engano em sua casa? Por que razão, ainda, o visitante agarra de repente no chapéu e se retira rapidamente, lembrando-se de súbito de um assunto absolutamente inadiável, que nunca existiu, e liberta de qualquer maneira a mão do caloroso aperto do anfitrião, empenhado agora em manifestar o seu pesar e a ganhar o tempo perdido?
Dostoiévski - Noites Brancas
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