quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

hoje senti-me terrivelmente sozinho. um completo miserável indigno de compaixão. além disso, minha auto-estima nem ao menos me permite ter esperanças de que as coisas vão melhorar. não melhorarão porque não tenho forças para tentar mudar. a melancolia já sou eu e o contrário igual. não levanto os olhos e nem falo, porque não sou digno de fazê-los. pertenço a esse sentimento de uma maneira que nunca pertenci a nada mais. se eu quase o combate, devo mais agradecê-lo, pois é que ele quem me mantém também vivo.

(escrito num caderno antigo)
sobre o trinômio CCC (cinema, chiclete e coca-cola) vêm os Estados Unidos dominando os mercados do mundo nos últimos 30 anos. Indiscutivelmente o cinema americano influenciou uma geração obrigando-a a mastigar chiclete, beber coca-cola e a inverter os valores morais europeus.

( salvyano cavalcanti de paiva - aspectos do cinema americano, 1956)
bajo el suelo de México verdean
espesamente pútridas las aguas
que lavaron la sangue conquistada.
nuestra contradicción - agua y aceita -
permanece a la orilla dividiendo
como un segundo dios,
todas las cosas:
lo que deseamos ser y lo que somos

(josé emílio pacheco - el reposo del fuego)

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

"eu via minha vida se ramificando à minha frente como a figueira verde daquele conto. da ponta de cada galho, como um enorme figo púrpura, um futuro maravilhoso acenava e cintilava. um desses figos era um lar feliz com marido e filhos, outro era uma poeta famosa, outro, uma professora brilhante, outro era a Ê Gê, a fantástica editora, outro era feito de viagens à Europa, África e América do Sul, outro era Constantin e Sócrates e Átila e um monte de amantes com nomes estranhos e profissões excêntricas, outro era uma campeã olímpica de remo, e acima desses figos havia muitos outros que eu não conseguia enxergar. me vi sentada embaixo da árvore, morrendo de fome, simplesmente porque não conseguia decidir com qual figo eu ficaria. eu queria todos eles, mas escolher um significava perder todo o resto, e enquanto eu ficava ali sentada, incapaz de tomar uma decisão, os figos começaram a encolher e ficar pretos e, um por um, desabaram no chão aos meus pés"

redoma de vidro - sylvia plath 
"era uma vez, há muitos anos, dois monges que se infligiam toda a espécie de penitências e mortificações. entre muitas outras, impuseram-se a si próprios a travessia a pé da Índia, de ponta a ponta. para além disso, tinham feito um voto de silêncio, segundo o qual não podiam dizer uma única palavra durante a travessia, mesmo quando estavam a dormir. mas um dia, quando caminhavam ao longo de um rio, ouviram uma mulher que estava a afogar-se, levada pela corrente, e gritava por socorro. o mais novo dos dois atirou-se à água, sem dizer uma palavra, e trouxe a mulher às costas até a margem, pousou-a na areia sem nada dizer, e os dois penitentes continuaram o seu caminho em silêncio total. mais eis que, passado meio ou um ano, o mais jovem perguntou ao companheiro 'diz-me, achas que foi um pecado eu transportar a mulher às costas?'. ao que o companheiro respondeu com outra pergunta 'porquê? ainda a carregas?'"

uma história de amor e trevas - amos oz