segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

"eu via minha vida se ramificando à minha frente como a figueira verde daquele conto. da ponta de cada galho, como um enorme figo púrpura, um futuro maravilhoso acenava e cintilava. um desses figos era um lar feliz com marido e filhos, outro era uma poeta famosa, outro, uma professora brilhante, outro era a Ê Gê, a fantástica editora, outro era feito de viagens à Europa, África e América do Sul, outro era Constantin e Sócrates e Átila e um monte de amantes com nomes estranhos e profissões excêntricas, outro era uma campeã olímpica de remo, e acima desses figos havia muitos outros que eu não conseguia enxergar. me vi sentada embaixo da árvore, morrendo de fome, simplesmente porque não conseguia decidir com qual figo eu ficaria. eu queria todos eles, mas escolher um significava perder todo o resto, e enquanto eu ficava ali sentada, incapaz de tomar uma decisão, os figos começaram a encolher e ficar pretos e, um por um, desabaram no chão aos meus pés"

redoma de vidro - sylvia plath 
"era uma vez, há muitos anos, dois monges que se infligiam toda a espécie de penitências e mortificações. entre muitas outras, impuseram-se a si próprios a travessia a pé da Índia, de ponta a ponta. para além disso, tinham feito um voto de silêncio, segundo o qual não podiam dizer uma única palavra durante a travessia, mesmo quando estavam a dormir. mas um dia, quando caminhavam ao longo de um rio, ouviram uma mulher que estava a afogar-se, levada pela corrente, e gritava por socorro. o mais novo dos dois atirou-se à água, sem dizer uma palavra, e trouxe a mulher às costas até a margem, pousou-a na areia sem nada dizer, e os dois penitentes continuaram o seu caminho em silêncio total. mais eis que, passado meio ou um ano, o mais jovem perguntou ao companheiro 'diz-me, achas que foi um pecado eu transportar a mulher às costas?'. ao que o companheiro respondeu com outra pergunta 'porquê? ainda a carregas?'"

uma história de amor e trevas - amos oz