quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

"A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crúcis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta, é a glória própria de minha condição. A desistência é uma revelação."


Clarice Lispector - A paixão segundo G.H.



sábado, 10 de outubro de 2020

 They asked me to write a letter about what your addiction has cost us as a family. And as I sat down last night to write it... I couldn’t stop thinking about the day you were born. Holding you in my arms for the first time. Looking down at you. Your sweet beautiful face. I had never felt so much love and joy in my entire life. And I thought that what if in that moment, I heard a voice, some omniscient narrator who said, “Here’s what’s going to happen..." Your daughter is going to be funny, and smart and outgoing. You’ll see it instantly... from a young age. She’ll be charismatic and make friends easily. She’ll be kind and sensitive... Maybe too sensitive. She won’t be an easy child. She’ll struggle. And in turn, you’ll struggle to understand her. To understand why she won’t go to sleep. To understand what’s going on inside of her head. The night terrors that can’t be interrupted. The times after dinner when she’ll sit at the kitchen table and count the tiles over and over until she hyperventilates. The fight to hold her in your arms. To tell her it’s okay. To calm down. The kicking. The screaming. The anxiety of being harmed. Of losing her mother or father or little sister. Of being alone. The transitions from day to night. From home to school. From meal to meal. The panic attacks. Mood swings. Confusion. Disorganization. And the tough part is you’ll feel as helpless to help her as she does herself. You’ll make mistakes. Small ones. And big ones. You’ll look for help from people who aren’t helpful. Or who don’t actually understand what’s happening. And the guilt will never leave you. But if you remain calm and patient, if you listen closely, you’ll begin to understand her more. The counting. The repetition. The need for symmetry. That if you kiss her left cheek before bed, you have to kiss her right cheek. And her forehead. Then her chin. That it’s about balance. Stability. The wish to organize her feelings and thoughts so she can breathe easier, relax and maybe, hopefully, fall asleep. And there will be moments of relief. In her and in you. Moments that feel so normal and calm and rewarding that you’ll find yourself praying they last forever. Even though she’s only a child. And the hardest parts have yet to even come. Because when she discovers drugs, she’ll change forever. You’ll never know if she’s lying or telling the truth. She’s be volatile and sweet and angry and charming and manipulative. She’ll scar her little sister. Strip away every bit of innocence. Whatever she had left after her dad passed away. And you’ll go to bed every night with the fear that she won’t wake up in the morning. And when she does, you’ll breathe a sigh of relief… until you realize that this most likely will never end. She’ll steal from you. She’ll attack you. She’ll emotionally abuse you. And at the age of sixteen she’ll overdose. Spend four days in a coma. And you won’t know if she’ll live or die. But when she wakes up, she’ll be given the opportunity to get clean.To become a different person. A better person. Here’s the toughest part… No matter what you say or do or wish, the decision will be all hers. And all you can do is hope she gives herself the chance she deserves.


EUPHORIA - AND SALT THE EARTH BEHIND YOU

sábado, 5 de setembro de 2020

Maria Homem: “As pessoas estão cada vez mais solitárias” 

Revista Cláudia - 3 dez 2016, 09h00 


Um dos seus temas é a dor no amor. Por que dói?

Maria Homem: Sobretudo porque idealizamos uma coisa e vivemos outra. Existe um descompasso na forma como levamos as relações afetivas. Exigimos muito do outro. E, na atualidade, isso é agravado pelas transformações dos lugares sociais, psíquicos e econômicos ocupados por homens e mulheres. Há também o deslocamento das ideias de gênero e sexualidade. Ou seja, além do velho embate platônico, entre o ideal e o real, temos agora múltiplas situações que interferem na engenharia dos afetos. Por fim, não esqueçamos, estamos imersos numa lógica profundamente consumista: Narciso se entedia com o objeto de amor e já deseja o seguinte. 

[...]

Você afirma: “Busca-se a felicidade e encontra-se a depressão”. Por quê?

A busca deveria ser pautada em: “Como podemos, juntos, criar formas mais ricas e simples de viver?” Por que a gente está escapando da pergunta: “O que é interessante para mim e para o coletivo?” Permanecemos no binômio simplista, infantilizado e maníaco-depressivo. Ele alterna euforia – muito artificialismo em uma alegria bombada, festiva, de entretenimento – e depressão. Essa felicidade é oca. A clínica revela que não está funcionando e, por isso, a pessoa cai no oposto. Depressão não significa melancolia criativa. Ela é nada. E também uma doença que pode paralisar. 


https://claudia.abril.com.br/sua-vida/maria-homem-as-pessoas-estao-cada-vez-mais-solitarias/








sábado, 29 de agosto de 2020


Instrucciones para llorar

Dejando de lado los motivos, atengámonos a la manera correcta de llorar, entendiendo por esto un llanto que no ingrese en el escándalo, ni que insulte a la sonrisa con su paralela y torpe semejanza. El llanto medio u ordinario consiste en una contracción general del rostro y un sonido espasmódico acompañado de lágrimas y mocos, estos últimos al final, pues el llanto se acaba en el momento en que uno se suena enérgicamente. Para llorar, dirija la imaginación hacia usted mismo, y si esto le resulta imposible por haber contraído el hábito de creer en el mundo exterior, piense en un pato cubierto de hormigas o en esos golfos del estrecho de Magallanes en los que no entra nadie, nunca. Llegado el llanto, se tapará con decoro el rostro usando ambas manos con la palma hacia adentro. Los niños llorarán con la manga del saco contra la cara, y de preferencia en un rincón del cuarto. Duración media del llanto, tres minutos.

Julio Cortázar

domingo, 7 de junho de 2020



1999
Claudio Bertoni



hacer

el amor

es raro y

un gran signo

de nuestra presencia

en el lado sano del mundo.


Para una joven amiga que intentó quitarse la vida
Claudio Bertoni



me gustaría ser un nido si fueras un pajarito

me gustaría ser una bufanda si fueras un cuello y tuvieras frío

si fueras música yo sería un oído

si fueras agua yo sería un vaso

si fueras luz yo sería un ojo

si fueras pie yo sería un calcetín

si fueras el mar yo sería una playa

y si fueras todavía el mar yo sería un pez

y nadaría por ti

y si fueras el mar yo sería sal

y si yo fuera sal

tú serías una lechuga

una palta o al menos un huevo frito

y si tú fueras un huevo frito

yo sería un pedazo de pan

y si yo fuera un pedazo de pan

tú serías mantequilla o mermelada

y si tú fueras mermelada

yo sería el durazno de la mermelada

y si yo fuera un durazno

tú serías un árbol

y si tú fueras un árbol

yo sería tu savia y correría

por tus brazos como sangre

y si yo fuera sangre

viviría en tu corazón

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

por fim à realidade
prima, e tão violenta
que ao tentar apreendê-la
toda imagem rebenta

joão cabral de melo neto - morte e vida severina

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

"Foi nessa hora que Sara entrou no campo de visão de Tsukuru. Ela usava o mesmo vestido de manga curta verde-hortelã, calçava o sapato marrom-claro e descia a ladeira suave da avenida Aoyama na direção de Jingûmae. Tsukuru ficou sem fôlego e franziu as sobrancelhas involuntariamente. Não conseguiu acreditar que fosse uma visão real. Por alguns segundos pareceu-lhe que ela fosse uma miragem sofisticada, criada pelo seu próprio coração solitário. Mas sem sombra de dúvida era a Sara real, de carne e osso. Tsukuru se levantou da cadeira por reflexo e quase derrubou a mesa. O café caiu no pires. Mas logo teve de se sentar novamente.
Ao lado dela havia um homem de meia-idade. Era forte, não muito alto e usava uma jaqueta de cor escura, camisa azul e gravata azul-marinho de bolinhas pequenas. No cabelo bem penteado apareciam alguns fios brancos. Provavelmente tinha pouco mais de cinquenta anos. Seu queixo era levemente pontudo, mas o rosto causava boa impressão. Na sua fisionomia havia uma confiança calma e discreta que alguns homens dessa idade possuem. Os dois caminhavam na avenida de mãos dadas, parecendo bem íntimos. Tsukuru seguiu com os olhos os dois através do vidro, com a boca levemente aberta, como quem perdeu as palavras que estava  tentando produzir na boca. Eles passaram devagar bem na frente de Tsukuru, mas Sara não olhou nenhuma vez na direção dele. Ela estava compenetrada conversando com aquele homem, e parecia não enxergar nada que acontecia à sua volta. O homem disse uma palavra curta, e Sara riu abrindo a boca, a ponto de a curva dos dentes ficar bem à mostra.
Até que os dois foram engolidos pela multidão no crepúsculo. Tsukuru continuou observando por muito tempo, a direção onde eles haviam desaparecido, através do vidro, com uma vaga esperança de que Sara pudesse voltar. Talvez de súbito ela se desse conta de que Tsukuru estava ali, e voltasse para explicar o que estava acontecendo. Mas ela não apareceu. Apenas pessoas de rostos variados e roupas variadas passavam na frente dele, uma em seguida à outra.
Ele se ajeitou na cadeira e tomou um gole de água com gelo. Restou apenas uma tristeza silenciosa. Sentiu uma dor lancinante no lado esquerdo do peito, como se tivesse sido apunhalado com uma faca afiada.
Ele se ajeitou na cadeira e tomou um gole de água com gelo. Restou apenas uma tristeza silenciosa. Sentiu uma dor lancinante no lado esquerdo do peito, como se tivesse sido apunhalado com uma faca afiada. Sentiu o calor desagradável do sangue escorrer. Provavelmente era sangue. Fazia tempo que não sentia esse tipo de dor. Talvez não sentisse aquilo desde o verão do segundo ano da faculdade, quando fora rejeitado pelos quatro grandes amigos. Ele fechou os olhos e vagueou por um tempo neste mundo da dor, como se deixasse flutuar o corpo na água. Ainda é melhorar sentir dor, ele procurou pensar. O pior é não sentir nem ao menos dor.
Vários barulhos se misturaram e se tornaram um só, resultando em um ruído agudo no fundo do ouvido. Era um ruído especial, que só ele conseguia escutar no silêncio infinitamente profundo. Não vinha de fora. Era um barulho produzido por ele mesmo no interior dos seus órgãos. Todas as pessoas vivem com esse barulho peculiar, mas quase nunca têm a oportunidade de ouvi-lo.
Quando abriu os olhos, sentiu que a configuração do mundo havia mudado. Mesa de plástico, xícara de café branca e simples, sanduíche pela metade, um velho Tag Hauer de corda automática no seu pulso esquerdo (lembrança do falecido pai), jornal da tarde que estava lendo, árvores que ladeiam a avenida, vitrine da loja da frente cuja luminosidade aumenta cada vez mais. Tudo pareceu deformado. O contorno das coisas ficou vago e nada estava correto. A escala também estava errada. Ele respirou fundo algumas vezes e acalmou aos poucos seus sentimentos.
A dor que Tsukuru sentia no coração não era provocada pelo ciúme. Tsukuru sabia como era o ciúme. Ele experimentara aquela sensação só uma vez, em sonho, de forma vívida. A sensação daquele momento ainda permanecia no seu corpo. Sabia quanto ela era asfixiante, quanto era desesperadora. Mas não era esse tipo de sofrimento que sentia agora. Ele sentia apenas tristeza. Tristeza de ser deixado sozinho no fundo de um buraco profundo e escuro. Mas, no final das contas, não passava de uma simples tristeza. Não passava de uma dor física. Isso deixou Tsukuru aliviado.
O que mais arrasou Tsukuru não foi o fato de Sara estar caminhando na avenida de mãos dadas com outros homem. Nem a possibilidade de Sara estar prestes a ter uma relação sexual com ele. Naturalmente era duro para Tsukuru imaginá-la tirando a roupa e indo para a cama com outro homem. Ele precisou se esforçar muito para expulsar aquela cena da cabeça. Mas Sara era uma mulher independente de trinta e oito anos, solteira e livre. Ela tinha a vida dela. Assim como Tsukuru tinha a própria vida. Ela  tinha o direito de ir para onde quisesse, com quem quisesse, e fazer o que quisesse.
O que mais chocou Tsukuru foi o fato de ela parecer realmente feliz naquele momento. Ela exibia um sorriso de orelha a orelha enquanto falava com aquele homem. Quando estava com Tsukuru, ela nunca tinha mostrado uma expressão tão alegre e solta. Nenhuma vez. Em qualquer situação, mostrava a Tsukuru uma fisionomia fria, controlada. Esse fato partiu o coração de Tsukuru de forma severa e dolorosa, mais do que qualquer outra coisa."

Haruki Murakami - O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação 
"de qualquer forma, depois que haida sumiu, tsukuru percebeu nitidamente quanto esse amigo significava para ele, quão colorida ele tornava sua vida cotidiana. lembrou com saudades as várias conversas com haida, do riso dele, leve e tão característico. as músicas de que ele gostava, os livros que lia de vez em quando em voz alta, os comentários sobre acontecimentos da sociedade, o humor peculiar, as citações precisas, a comida que fazia, o café que preparava. tsukuru encontrava em vários lugares de sua vida cotidiana o vazio deixado por haida.
haide me proporcionou tudo isso, mas o que eu pude oferecer a ele? tsukuru não tinha como não pensar nisso. afinal, o que consegui deixar dentro dele?
no final das contas, talvez esteja mesmo destinado a ficar sozinho, tsukuru não conseguia deixar de pensar. as pessoas vêm até ele, mas depois de um tempo se vão. elas buscam algo dentro de tsukuru, mas não conseguem encontrar, ou mesmo encontrando não gostam, e parece que partem depois de desistir (decepcionadas, iradas). certo dia elas desaparecem de repente. sem explicação, sem se despedirem direito. como se cortassem bruscamente, com um grande machado afiado e mudo, o laço ainda circula sangue quente, que pulsa silenciosamente.
dentro de mim deve haver algo fundamental que decepciona as pessoas. "incolor tsukuru tazaki", ele disse em voz alta. no final das contas, eu provavelmente não tenho nada para oferecer aos outros. não, se eu analisar bem, talvez não possua nada para oferecer a mim mesmo"

haruki murakami - o incolor tsukuru tazaki e seus anos de peregrinação.
"_ tenho medo. de fazer algo errado, ou dizer algo errado, e, como resultado, talvez perder tudo, fazer evaporar tudo no espaço.
eri balançou a cabeça, devagar. - é a mesma coisa que construir estações. se algo tiver um significado ou objetivo, ele não se arruinará ou evaporará completamente no espaço por causa de um pequeno erro. mesmo que não seja perfeita, a estação precisa ser construída, antes de tudo. não é? caso contrário, o trem não poderá parar. nem poderá receber alguém importante. se for descoberto algum problema depois, basta consertar conforme a necessidade. primeiro, construa a estação. uma estação especial para ela. uma estação onde o trem deseje parar, mesmo sem ter a necessidade. imagine uma estação assim, e lhe atribua uma cor e um formato concretos. e na sua fundação crave o seu nome com prego, e sopre vida nela. você  tem essa capacidade. afinal, conseguiu nadar sozinho no mar gelado à noite, até o final"

haruki murakami - o incolor tsukuru tazaki e seus anos de peregrinação