lembro do momento exato - foi mesmo antes do primeiro beijo - quando decidi: toma-te, sou infeliz, faz de mim o que quiseres, sei que darás melhor caminho que eu, pois sempre estou perdido.
dois anos se passaram e não digo que foi cruel porque não aceitou, eu mesmo não aceitaria. trata-te de estar seguro de sua escolha, sabes raciocinar e entender que é impossível preencher-me.
reza então para um dia eu entender isso. para que eu pare de sonhar com um grande amor, com um cachorro no jardim, três filhos e uma casinha na montanha.
_compreendes mesmo tudo assim ?
não, mas vale a pena fingir.
tiago castro gomes - pequenos adultos
domingo, 31 de julho de 2011
"_Os homens queixam-se frequentemente de que os dias felizes são raros e os infelizes, muitos, mas penso que, na maior parte das vezes, não tem razão. Se tivéssemos nosso coração sempre aberto para receber as graças que Deus nos dispensa diariamente, teríamos bastante força para suportar o mal quando ele nos alcança.
_Mas não temos poder sobre nosso humor_ replicou a esposa do pastor_ Quantas coisas dependem da saúde do corpo! Quando não estamos bem, sentimos o mal em toda parte.
Concordei e acrescentei:
_Pois bem, então vamos considerar o mau humor como doença e nos perguntar se há remédio para isso.
_Estou totalmente de acordo - disse Lotte.- Creio, de fato, que muita coisa depende de nós. Falo por experiência: se algo me contraria e quer me deprimir, saio pelo jardim cantando uma ária: tudo passa imediatamente.
_Exatamente o que eu queria dizer - prossegui.- O mau humor é como a preguiça; porque é uma espécie de preguiça. Somos, por natureza, muito inclinados à indolência e, contudo, quando adquirimos força para nos dominar, o trabalhar se torna agradável e a atividade um autêntico prazer.
Frederike estava muito atenta e o rapaz objetou-me que ninguém era senhor de si e, principalmente, que não é possível controlar os próprios sentimentos.
_Mas estamos falando - repliquei - de um sentimento desagradável, do qual todos gostariam de ser livrar, e ninguém sabe a que ponto vão suas forças até experimentá-las. Quem está doente deve consultar um médico e aceitar, resignadamente, todos os tratamentos e amargos remédios para recuperar a saúde.
(...)
Em seguida, o rapaz retomou a palavra:
_Parece-me exagerado chamar o mau humor de vício.
_De maneira alguma - disse-lhe - , se o que é nocivo ao próximo e a nós mesmos merece esse nome. Não basta nossa incapacidade para fazer o próximo feliz? Temos ainda que nos roubar mutuamente o prazer que, às vezes, cada qual pode proporcionar a si mesmo? Então, mostre-me um homem de mau humor que seja ao mesmo tempo bastante firme para escondê-lo e capaz de suportá-lo sozinho, sem perturbar a alegria em torno dele! Não será isso, antes, um secreto desgosto de nossa própria indignidade, um descontentamento em relação a nós mesmos, acompanhado sempre de uma inveja estimulado por uma vaidade tola? Vemos pessoas felizes que não devem a nós sua alegria, e isso nos parece insuportável"
os sofrimentos do jovem werther - goethe
_Mas não temos poder sobre nosso humor_ replicou a esposa do pastor_ Quantas coisas dependem da saúde do corpo! Quando não estamos bem, sentimos o mal em toda parte.
Concordei e acrescentei:
_Pois bem, então vamos considerar o mau humor como doença e nos perguntar se há remédio para isso.
_Estou totalmente de acordo - disse Lotte.- Creio, de fato, que muita coisa depende de nós. Falo por experiência: se algo me contraria e quer me deprimir, saio pelo jardim cantando uma ária: tudo passa imediatamente.
_Exatamente o que eu queria dizer - prossegui.- O mau humor é como a preguiça; porque é uma espécie de preguiça. Somos, por natureza, muito inclinados à indolência e, contudo, quando adquirimos força para nos dominar, o trabalhar se torna agradável e a atividade um autêntico prazer.
Frederike estava muito atenta e o rapaz objetou-me que ninguém era senhor de si e, principalmente, que não é possível controlar os próprios sentimentos.
_Mas estamos falando - repliquei - de um sentimento desagradável, do qual todos gostariam de ser livrar, e ninguém sabe a que ponto vão suas forças até experimentá-las. Quem está doente deve consultar um médico e aceitar, resignadamente, todos os tratamentos e amargos remédios para recuperar a saúde.
(...)
Em seguida, o rapaz retomou a palavra:
_Parece-me exagerado chamar o mau humor de vício.
_De maneira alguma - disse-lhe - , se o que é nocivo ao próximo e a nós mesmos merece esse nome. Não basta nossa incapacidade para fazer o próximo feliz? Temos ainda que nos roubar mutuamente o prazer que, às vezes, cada qual pode proporcionar a si mesmo? Então, mostre-me um homem de mau humor que seja ao mesmo tempo bastante firme para escondê-lo e capaz de suportá-lo sozinho, sem perturbar a alegria em torno dele! Não será isso, antes, um secreto desgosto de nossa própria indignidade, um descontentamento em relação a nós mesmos, acompanhado sempre de uma inveja estimulado por uma vaidade tola? Vemos pessoas felizes que não devem a nós sua alegria, e isso nos parece insuportável"
os sofrimentos do jovem werther - goethe
"Eu não tinha vontade de ir a parte alguma, e Márfa Petróvna, vendo que eu me aborrecia, fez comigo duas tentativas para fazermos uma viagem ao estrangeiro. Mas eu já o fizera em outros tempos, ficando horrivelmente desiludido. Contempla-se ali um amanhecer ou a baía de Nápoles, o mar, e invade-nos uma tristeza! O pior de tudo é que se sente profunda nostalgia. Não; estamos melhor em nossa pátria. Ao menos podemos acusar os outros de todo mal e justificar-nos a nossos próprios olhos."
fiódor dostoiévski - crime e castigo
fiódor dostoiévski - crime e castigo
domingo, 17 de julho de 2011
estou sempre ocupado demais analisando qualquer situação para poder vivenciá-la de dentro. gosto de fazer a dos outros a minha própria existência. escuto conversas alheias. imagino quando é melhor ser vilão ou mocinho. calculo quando as reviravoltas devem acontecer e quando o final se aproxima. e o melhor : me distraio olhando tudo de fora. olha eu ali escrevendo esse texto!
tiago castro gomes - do porquê escolhi o cinema
tiago castro gomes - do porquê escolhi o cinema
Não há mais o abraço deitado na cama.
Não, ninguém me abraça.
Não há mais o beijo ansioso quando a porta se fecha.
Não, ninguém me beija.
Não há mais sua mão para segurar no ônibus (escondidas e nervosas debaixo da mochila).
Não, ninguém me toca.
Não há mais os telefonemas de madrugada.
Não, ninguém me escuta.
Não há mais você no desembarque da rodoviária.
Não, ninguém me aguarda.
Há somente:
a porta fechada,
o desembarque solitário
a cama gelada
e a solidão resignada
tiago castro gomes - não há mais você
Não, ninguém me abraça.
Não há mais o beijo ansioso quando a porta se fecha.
Não, ninguém me beija.
Não há mais sua mão para segurar no ônibus (escondidas e nervosas debaixo da mochila).
Não, ninguém me toca.
Não há mais os telefonemas de madrugada.
Não, ninguém me escuta.
Não há mais você no desembarque da rodoviária.
Não, ninguém me aguarda.
Há somente:
a porta fechada,
o desembarque solitário
a cama gelada
e a solidão resignada
tiago castro gomes - não há mais você
ele sempre tentou limpar meus olhos... com uma paciência zelosa e
ouvindo insultos, ele persistia.
mesmo discordando e escondendo-me, ele nunca deixou de
possuir as mãos em minha face.
por vezes chegou até a acariciar minhas sobrancelhas, percorrendo-as
calmamente, mas chegando nos cílios - o orgulho veio - e num súbito
reflexo, empurrei-o ao chão e enrolei-me na mais grossa e fria manta de
desculpas (ela me cobria dos pés à cabeça).
certos dias, parecia abatido e sem esperanças - queria me enganar? - e
isso, de repente, me causava um arrependimento brutal, um ódio cruel
de mim mesmo e me derretia em promessas falsas. venha, vou abrir meus
olhos, olhe, enfim, qual a cor da minha íris.
ele sempre vinha, sorrindo, mas eu nunca abria.
por quê? talvez o jogo me interessasse mais, talvez achasse que era
isso que me mantinha interessante aos outros: de olhos fechados, não
se sabe por onde andar. e somos sempre impelidos à ajudar os cegos.
foi o que fiz certo dia - sem pensar direito - ajudei um cego a andar
alguns metros até o ponto de seu ônibus. que tristeza, pensei.
chegando em casas os olhos arderam. pareciam mesmo pegar fogo e sentia
que deles lhes escorriam tudo de mim. aqueles olhos despejaram no mundo
rancor, mágoa, ódio e solidão.
mas ele continuava por perto - teria saído um dia ? - e com um beijo
calmo e carinhoso em meus olhos vermelhos, possibilitou um novo olhar
para o mundo.
tiago castro gomes - thiago
ouvindo insultos, ele persistia.
mesmo discordando e escondendo-me, ele nunca deixou de
possuir as mãos em minha face.
por vezes chegou até a acariciar minhas sobrancelhas, percorrendo-as
calmamente, mas chegando nos cílios - o orgulho veio - e num súbito
reflexo, empurrei-o ao chão e enrolei-me na mais grossa e fria manta de
desculpas (ela me cobria dos pés à cabeça).
certos dias, parecia abatido e sem esperanças - queria me enganar? - e
isso, de repente, me causava um arrependimento brutal, um ódio cruel
de mim mesmo e me derretia em promessas falsas. venha, vou abrir meus
olhos, olhe, enfim, qual a cor da minha íris.
ele sempre vinha, sorrindo, mas eu nunca abria.
por quê? talvez o jogo me interessasse mais, talvez achasse que era
isso que me mantinha interessante aos outros: de olhos fechados, não
se sabe por onde andar. e somos sempre impelidos à ajudar os cegos.
foi o que fiz certo dia - sem pensar direito - ajudei um cego a andar
alguns metros até o ponto de seu ônibus. que tristeza, pensei.
chegando em casas os olhos arderam. pareciam mesmo pegar fogo e sentia
que deles lhes escorriam tudo de mim. aqueles olhos despejaram no mundo
rancor, mágoa, ódio e solidão.
mas ele continuava por perto - teria saído um dia ? - e com um beijo
calmo e carinhoso em meus olhos vermelhos, possibilitou um novo olhar
para o mundo.
tiago castro gomes - thiago
estava pensando agora: devo levar uma existência e não uma vida. pois pra mim é claro que viver e existir são coisas muito diferentes. quem vive não costuma cair na armadilha que é tentar explicar tudo. já quem existe está tão desapegado à tudo que procura na explicação uma razão para continuar com a existência pura e simplesmente. e é isso que me destrói, que não me deixa possuir a tal vida: penso demais sobre ela. pensei demais sobre o amor e então não consegui amar, e nem que me amassem. estou aqui só, e com todo o tempo do mundo para: pensar.
tiago castro gomes - domingo pós praça são salvador
tiago castro gomes - domingo pós praça são salvador
domingo, 10 de julho de 2011
"é que, devendo alguns meses de aluguel, receava encontrá-la. não que fosse, afinal, um desanimado ou um fracassado na vida. pelo contrário. acontece que se achava, de uns tempos pra cá, num estado de tensão e de irritação permanente que tocava, quase, os limites da hipocondria. habituara-se a viver tão recolhido em si mesmo, e tão isolado, que passou, então, a temer - não só o avistar-se com a locatária como o aproximar-se de quem quer que fosse."
crime e castigo - fiódor dostoiévski
crime e castigo - fiódor dostoiévski
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