ele sempre tentou limpar meus olhos... com uma paciência zelosa e
ouvindo insultos, ele persistia.
mesmo discordando e escondendo-me, ele nunca deixou de
possuir as mãos em minha face.
por vezes chegou até a acariciar minhas sobrancelhas, percorrendo-as
calmamente, mas chegando nos cílios - o orgulho veio - e num súbito
reflexo, empurrei-o ao chão e enrolei-me na mais grossa e fria manta de
desculpas (ela me cobria dos pés à cabeça).
certos dias, parecia abatido e sem esperanças - queria me enganar? - e
isso, de repente, me causava um arrependimento brutal, um ódio cruel
de mim mesmo e me derretia em promessas falsas. venha, vou abrir meus
olhos, olhe, enfim, qual a cor da minha íris.
ele sempre vinha, sorrindo, mas eu nunca abria.
por quê? talvez o jogo me interessasse mais, talvez achasse que era
isso que me mantinha interessante aos outros: de olhos fechados, não
se sabe por onde andar. e somos sempre impelidos à ajudar os cegos.
foi o que fiz certo dia - sem pensar direito - ajudei um cego a andar
alguns metros até o ponto de seu ônibus. que tristeza, pensei.
chegando em casas os olhos arderam. pareciam mesmo pegar fogo e sentia
que deles lhes escorriam tudo de mim. aqueles olhos despejaram no mundo
rancor, mágoa, ódio e solidão.
mas ele continuava por perto - teria saído um dia ? - e com um beijo
calmo e carinhoso em meus olhos vermelhos, possibilitou um novo olhar
para o mundo.
tiago castro gomes - thiago
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