domingo, 18 de julho de 2010

"Para que um acontecimento tenha grandeza, é preciso reunir duas condições: que a grandeza inspire os que o realizam e os que o vivenciam. Em si nenhum acontecimento possui grandeza,mesmo o desaparecimento de constelações inteiras de estrelas, a destruição de povos, a fundação de vastos Estados, guerras empreendidas com arsenais e perdas extraordinárias – diversos acontecimentos como esses são dispersos, como simples flocos, pelo sopro da história. Mas pode também acontecer que um poderoso homem desfira um golpe em uma dura rocha sem produzir efeito algum; um curto e penetrante eco, e tudo se foi. A história não tem quase nada a dizer sobre esses acontecimentos que não surtiram efeito. Assim, aquele que vê surgir um acontecimento indaga, com inquietude, se os que o vivenciam se mostrarão dignos. Ao agir procuramos sempre essa correspondência entre ação e recepção, tanto nos pequenos quanto nos grandes empreendimentos, e contamos com ela; aquele que doa deve cuidar de encontrar aquele que não apenas receba, mas que saiba corresponder ao sentido do que é doado. Desse modo, até mesmo o ato individual de um grande homem não possui grandeza quando é infrutífero e sem ressonância; pois no instante de sua realização lhe faltou a visão profunda de sua necessidade: não mirou com a devida precisão, não identificou e escolheu o momento com a devida determinação, o acaso se tornou mais forte, ao passo que existe uma estreita relação entre ser grande e ter o sentido da necessidade."

Nietzsche

domingo, 4 de julho de 2010

"Devido ao ferimento, Gregor havia perdido, talvez para sempre, o controle total dos seus movimentos, e necessitava, como um idoso inválido, de vários e longos minutos para uma operação tão simples como cruzar o quarto - sem mencionar a irremediável impossibilidade de subir pelas paredes -, mas acabou tendo, no agravamento de seu estado, uma compensação que lhe pareceu muito satisfatória: no começo da noite, a porta da sala de jantar, na qual fixava o olhar desde uma ou duas horas antes, era aberta e ele, do escuro de seu quarto, podia ver, sem ser visto, toda a família reunida em torno da mesa iluminada, e ouvir suas conversas, de certo modo com a aquiescência geral."

A metamorfose - Franz Kafka
“Com isso o mundo se dividia para mim em três partes, uma onde eu, o escravo, vivia sob leis que tinham sido inventadas só para mim e às quais, além disso, não sabia por que, nunca podia corresponder plenamente; depois, um segundo mundo, infinitamente distante de do meu, no qual você vivia, ocupado em governar, dar ordens e irritar-se com o seu não-cumprimento; e finalmente um terceiro mundo, onde as outras pessoas viviam felizes e livres de ordens e de obediência.”

Carta ao pai - Franz Kafka

domingo, 20 de junho de 2010

"(...) o homem, quando sofre, concebe uma ideia toda especial do bem e do mal, ou seja, do bem que os outros deveriam lhe fazer e que ele exige, como se do próprio sofrimento nascesse um direito à compensação, e do mal que ele pode fazer aos outros, como se o sofrimento o autorizasse a proceder assim. E se os outros não lhe fazem o bem quase por obrigação, ele os acusa, e de todo o mal que faz quase que por direito, facilmente se desculpa."

O falecido Mattia Pascal - Luigi Pirandello
"Se reconhecermos, eu pensava, que errar é humano, a justiça não seria uma crueldade sobre-humana?"

O falecido Mattia Pascal - Luigi Pirandello
"(...)eu pouco me importo com essa casca ordinária que me cobre, sabe? Ela me pesa, suporto-a porque sei que devo suportá-la. Mas se não me provarem que depois de aguentá-la por mais cinco ou seis ou dez anos, eu não terei pago de alguma forma toda essa chateação e que tudo acaba ali, eu a jogo fora hoje mesmo, neste exato momento. Como fica o instinto de conservação? Conservo-me apenas porque sinto que não pode acabar assim! Porém uma coisa é o indivíduo, outra a humanidade, como dizem. O indivíduo termina, a espécie continua sua evolução. Bela maneira de raciocinar, esta! Veja só! Como se a humanidade não fosse eu, não fosse o senhor e cada um de nós um todo. Todos nós temos o mesmo sentimento, ou seja, que seria a coisa mais absurda e mais terrível se tudo devesse se resumir a isso aqui, neste miserável sopro que é a vida terrena: cinquenta, ssesenta anos de tédio, de miséria, de fadigas pra quê? Para nada! Para a humanidade? Mas se até a humanidade um dia vai terminar? Pense um pouco: para que toda essa vida, todo esse progresso, toda essa evolução? Para nada? Mas o nada, o puro nada, dizem que não existe..."

O falecido Mattia Pascal - Luigi Pirandello

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Dentro de nós, cada objeto costuma se transformar de acordo com as imagens que suscita e agrupa, por assim dizer, ao redor de si. Claro que podemos gostar de um objeto por ele mesmo, pelas muitas sensações agradáveis que nos proporciona, numa percepção harmoniosa, mas é bem mais frequente que o prazer que um objeto nos causa não se encontre no objeto em si. A fantasia o embeleza, envolvendo-o e iluminando-o de imagens caras. Nós não o percebemos mais como ele é, mas quase animado pelas imagens que cria em nós ou que os nossos hábitos lhe associam. No objeto, por fim, amamos o que colocamos de nós mesmos, o pacto, a harmonia que estabelecemos entre nós e ele, a alma que ele adquire somente para nós e que é constituída das nossas recordações"

O falecido Mattia Pascal - Luigi Pirandello

domingo, 13 de junho de 2010

"Quantas vezes a gente,em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão,por toda parte,os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!"

Da felicidade - Mário Quintana
"O que no fundo quer dizer que nós, ainda hoje, acreditamos que a Lua esteja no céu exclusivamente para nos dar luz à noite, assim como o Sol durante o dia, e que as estrelas servem apenas para nos oferecer um maravilhoso espetáculo. Sem dúvida. E muitas vezes esquecemos de bom grado que somos átomos infinitesimais para podermos nos respeitar e admirar uns aos outros, e somos capazes de nos atracar por um pedacinho de terra ou nos lamentar por algumas coisas que, se estivéssemos realmente compenetrados do que somos, deveriam nos parecer insignificâncias sem tamanho"

O falecido Mattia Pascal - Luigi Pirandello

sábado, 12 de junho de 2010

"A vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam frequentemente usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho relaciona-se mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós."

Orgulho e preconceito - Jane Austen
-In cuor di donna quanto dura amore?
-(Ore)

-Ed ella non mi amò quant'io l'amai?
-(Mai)

-Or chi sei tu che sì ti lagni meco?
-(Eco)


Scroffa Camillo - Fidenzio Glottogrisio
"Oh tristeza! Da gameleira ou do ingazeiro, desce um canto, de repente, triste, triste que faz dó. É um sábia.
Bento Porfírio se inquieta:
_Eu não gosto desse passarinho!... Não gosto de violão... De nada que põe saudades na gente.
Inútil nos defendermos, Bento! A tristeza já veio, já caiu aqui perto de nós. Eu estou pensando...Talvez, num lugar que não conheço, aonde nunca irei, more alguém que está a minha espera. E que jamais verei, jamais..."

Minha Gente (Sagarana) - João Guimarães Rosa
...tenho por princípios
Nunca fechar portas
Mas como mantê-las abertas
O tempo todo
Se em certos dias o vento
Quer derrubar tudo?...

Sudoeste - Adriana Calcanhoto
"Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripe estável. Essa terceira perna eu perdi. Voltei a ter o que nunca tive: apenas duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma."

A terceira perna - Clarice Lispector
"(...) [O] triste cãozinho reuniu todas suas forças, atravessou o patamar, sem nenhuma dúvida sobre o caminho, como se fosse um visitante habitual, e começou a descer as escadas. (...) Passou por entre as grades do portão, prosseguiu para o lado esquerdo, desapareceu.
Era, no entanto, uma forma de vida. Uma criatura desse mundo de criaturas inumeráveis. Esteve ao meu alcance, talvez tivesse fome e sede: e eu nada fiz por ele; amei-o, apenas, com uma caridade inútil. Deixe-o partir, assim humilhado, e tão digno, no entanto: como alguém que respeitosamente pede desculpas de ter ocupado um lugar que não era seu.
Depois pensei que nós todos somos, um dia, esse cãozinho triste, à sombra de uma porta. E há o dono da casa, e a escada que descemos, e a dignidade final da solidão."

Ilusões do mundo - Cecília Meireles
"O sol está brilhante, o céu profundamente azul, sopra uma brisa deliciosa, e eu desejo _ ah, como desejo _ tudo! Falar, ter liberdade, amigos, poder estar só. E queria também...chorar! Sinto que estou a ponto de estourar e sei que se pudesse chorar, tudo havia de melhorar; mas não posso, vou de um quarto pra outro, aspiro com sofreguidão o ar que passa pela fresta de uma janela fechada (...) Comportar-me normalmente é um esforço. Sinto-me tremendamente confusa, não sei o que ler, o que escrever, o que fazer, só sei que sinto dentro de mim um anseio..."

O diário de Anne Frank
"eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil:
em que espelho ficou perdida a minha face?"

Retrato- Cecília Meireles
"eu sei o mal que fiz, já está feito.
mas lhe pedir perdão por ser assim ?
e o coração que tenho no peito ?
não é pra me gabar, mas rio do que faço
e eu devia chorar.
lá vai se embora meu mundo, e sem mim
o que há de errado em ser tão errado assim ?"

Imperfeito- Pato Fu
"(...) até que tudo se transformou em não. tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. então a grande dança dos erros. o cerimonial das palavras desacertadas. ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. no entanto ele que estava ali. tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. tudo, tudo por não estarem distraídos"

Por não estarem distraídos- Clarice Lispector
"Dói-te de mim que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!...de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!"

Ainda uma vez adeus - Gonçalves Dias