Foi mais ou menos nessa época que minha primeira lembrança começou a aflorar, afligindo-me com imagens de estranha nitidez.
Não sei se era minha mãe, uma enfermeira, uma criada ou minha tia quem me levava pela mão. Tampouco sei dizer ao certo qual era a estação do ano. O sol da tarde se projetava palidamente sobre as casas que flanqueavam a ladeira. Eu subia em direção a minha casa levado por essa mulher que não sei quem era. Como vinha descendo alguém, a mulher me puxou com força pela mão, abriu caminho e ficou parada a um lado, esperando que a outra pessoa passasse.
De vez em quando essa imagem voltava, mais intensa, concentrada, e decerto a cada vez acrescida de um novo significado. Isso porque, em meio à cena vaga que a circundava, apenas a figura “daquele que desce a ladeira” emerge com precisão desproporcional. Mas isso tem sua razão de ser: trata-se da primeira das lembranças que me atormentaram e assombraram durante a vida inteira.
Era um jovem quem descia a ladeira em nossa direção, carregando no ombro um jugo do qual pendiam, à frente e atrás, baldes de excremento cujo peso ele distribuía com destreza por seus passos ladeira abaixo. Trazia um pano sujo enrolado em torno da testa. Seu rosto era bonito e corado, e os olhos brilhavam. Era um limpador de fossas, um coletor de excrementos.
Calçava um tabi próprio para aquele tipo de serviço e vestia uma calça justa de algodão azul-marinho.
Observei aquela figura com atenção incomum para uma criança de cinco anos. Embora ainda não fosse capaz de percebê-lo com clareza à época, eu havia recebido um chamado misterioso, sombrio, a revelação inicial e alegórica de uma força que se manifestava pela primeira vez na figura daquele limpador de fossas. O excremento é, afinal, um símbolo da terra, e o que me chamava era sem dúvida o amor malevolente da Mãe-Terra.
Pressenti então que neste mundo há um tipo de desejo semelhante à dor pungente. “Quero me transformar nele” foi a vontade que me sufocou ao olhar para aquele rapaz todo sujo: “Quero ser ele”. Lembro-me com clareza de que havia dois motivos importantes para esse meu desejo. Um deles era sua calça justa azul-marinho; o outro, sua profissão. A primeira delineava com perfeição seu corpo da cintura para baixo, movendo-se com agilidade, parecendo vir em minha direção. Passei a adorar de forma inexplicável essa vestimenta, embora não entendesse por quê.
A profissão... Naquele instante, da mesma maneira como crianças querem ser generais quando começam a se dar conta deste mundo, fui tomado pela ambição de me tornar coletor de excrementos. Poderia dizer que a calça azul-marinho foi talvez uma das causas desse desejo, mas com certeza não foi a única. Com o tempo, essa ambição foi se fortalecendo, tomando conta de mim, atingindo um estágio inusitado de desenvolvimento.
Ou seja, senti em relação àquele trabalho uma tristeza penetrante, algo como um anseio pela dor pungente, capaz de contorcer meu corpo. No trabalho daquele jovem senti “algo trágico”, na acepção mais patética da palavra. Uma sensação de “auto-renúncia”, indiferença, intimidade com o perigo, uma mistura notável do nada com uma força vital: todas essas sensações transbordavam de mim, esmagando-me com seu peso e me fazendo prisioneiro aos cinco anos de idade. Talvez eu tenha me enganado quanto à função de limpador de fossas. É provável que alguém tenha me contado sobre alguma outra profissão, e eu me confundi devido ao uniforme, mas desejava de todo modo que fosse esse o seu trabalho. Não tenho outra explicação.
O fato é que, mais tarde, esses mesmos sentimentos se transferiram para os condutores de hanadensha e os perfuradores de bilhetes de metrô: ambos provocavam-me uma sensação profunda de “vida trágica”, algo que eu desconhecia e do qual parecia estar excluído para sempre. Era o que eu sentia sobretudo no caso do perfurador de bilhetes. Naquela época, um odor que lembrava borracha ou hortelã se espalhava pelas estações, fundindo-se com os botões dourados perfilados no uniforme azul, na altura do peito, o que instigava minha mente à rápida associação com o “trágico”. Não sei bem por quê, mas para mim eram “trágicas” as pessoas que levavam suas vidas inalando aquele tipo de ar. E meus sentidos ansiavam por aquilo; acima de tudo, as vidas, os casos que se desenrolavam sem nenhuma relação comigo, em lugares que me eram negados, essas pessoas e esses lugares compunham minha definição de “coisas trágicas”. Parecia que a mágoa por me sentir eternamente excluído desse contexto sempre se transformava, em sonho, naqueles mesmos trabalhadores e em suas vidas, e que essa mágoa era tudo o que eu podia compartilhar de sua existência.
Se era esse o caso, então as “coisas trágicas” das quais eu começava a tomar conhecimento talvez não passassem de sombras, projeções da mágoa provocada pelo fugaz pressentimento de uma exclusão ainda maior.
Yukio Mishima - Confissões de uma máscara
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